sexta-feira, agosto 15

CRÔNICA DA CIDADE Nº 53

Por Nerval Pires da Silva

As instituições brasileiras, mormente o judiciário que era o único repositório de todas as esperanças e garantias dos homens de bem desta nação, acaba de nos desferir uma tremenda bofetada, nos deixando atônitos a todos nós. Num ato inopinado e infausto, contrariando todas as previsões factíveis que se possa imaginar, eis que o STF numa fatídica sessão de julgamento libera todos os corruptos, os bandidos, os grileiros de terras, os traficantes enfim, todos os que têm contas a ajustar com a sociedade brasileira – embora ainda não tenham galgado as instâncias superiores. Todos estão livres e poderão nas suas caminhadas criminosas a continuar a criar leis que os beneficie em detrimento daqueles que lhes vão pagar seus altíssimos salários – e que nos governem também. Bertold Brechet, no alto da sua inquestionável lucidez, libera o rifão ao dizer que "Há juízes absolutamente incorruptíveis, ninguém consegue induzi-lo a fazer justiça".

Hão de dizer àqueles togados, que julgaram a matéria na acepção da lei. Meias verdades! Quando as leis são dúbias em suas interpretações - quando elas carecem de aditivos que resguardem a moral e a integridade da sociedade, sugere-se que abram às janelas da corte e vejam o que está se passando lá fora, o que o povo pensa, sente e clama. Ouçam o seu gemido, atentem para os seus sentimentos de revolta, seu desespero e suas decepções por contar unicamente com estes que deveriam ser os guardiões das reservas moral e da ética, estas, que ainda insiste em sobreviver neste país. Ah, a ética! Esta sim, deveria prevalecer nesses momentos quando intento insensato é arremessado sobre nós.

De que valeu os nossos esforços ao deixar vidas de companheiros tombadas pelos caminhos na trilha para libertar a justiça dos grilhões a que fora submetida pelo regime militar que se implantara no país desde 64. Estes estavam a onde? Nós estávamos nas ruas em passeatas, nos movimentos estudantis, em confronto às vezes com os militares – em palanques. Uns no Congresso Nacional, outros nas Assembléias Legislativas – nos seus sindicatos, muitos combatendo e morrendo em guerrilhas, outros sendo torturados e mortos nas prisões do estado, eu e outros companheiros nas Câmaras de Vereadores, todos uníssonos num só ideal: as liberdades democráticas, a justiça social, e sobre tudo, o poder judiciário livre e independente, desatado das amarras que lhe fora imposto.

Às vezes me questiono se valeu mesmo a pena esse sacrifício ingente, para depois entregarmos nas mãos desses homens que estão aí a nos "governar". Os militares nem chegaram a cometer um terço da soma insidiosa que estes governos pós eles vêm praticando contra a nação e a seu povo, e, no entanto, levantou-se um grande exército de homens destemidos, todos oriundos das diversas classes sociais a impor-lhes meia-volta volver aos quartéis. E o que se faz agora? Estamos sendo humilhados, vilipendiados a todos os instantes de nossas vidas; estão nos subtraindo a cada dia a nossa condição de cidadania, estamos nos sentindo impotentes para recomeçar tudo de novo. Também! Esse exército que outrora lutara com sangue e coragem já não existem mais – muito daqueles bravos heróis já faleceram, outros se encontra na senilidade, sem forças físicas para lhes imporem um revés espetacular. E essas gerações de hoje que fazem? Por acaso não leram a história? Não sente em seus corações um mínimo de amor pelo seu país, pelo seu estado, pela sua cidade – o que aquelas gerações tinham de sobra! Capitularam isto sim, complacente diante do status quo imposto por estes governos assistencialistas e suas instituições corporativistas.

Os iluminados de togas votaram contra os anseios nobres de uma sociedade que exigia tão somente homens probos para gerir com as coisas públicas, e não indiciados e condenados em primeiras instâncias. E esse direito lhes fora negado por uma corte que assim como muitos juízes de interior – se julgam a cima do bem e do mal. Com certeza após o ato, foram todos à cozinha da corte saborear o seu cafézinho na maior descontração, rindo, contando até piadas na plenitude de suas convicções dos deveres cumpridos, não sabendo eles que desperdiçaram a grande oportunidade de se reaproximarem com a sociedade, deixando de uma vez por todas para trás essa dicotomia que nos assola há muito tempo, e que não é bom para nenhuma da partes.

Nerval é escritor e comentarista.

E-mail: nervalpiresdasilva@hotmail.com

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