sexta-feira, outubro 2

CULTURA ANTONINENSE…

Cultura em nossa cidade

Como Anda a Cultura em Nossa Cidade

Capítulo IX

Por Nerval Pires da Silva


A Rádio Antoninense reentrava no ar. A cidade inteira se rejubilava, embora cobrisse somente o município, mas para quem não tinha nada, já estava de bom tamanho. A qualidade de som era boa, a audiência aumentava a cada dia. Celso Meira arrepiava no seu horário com aquele timbre de voz de locutor profissional. Zé Maria Sthorach Fº., também não ficava por baixo – o fato é que ninguém queria perder, e com isso quem ganhava era a Rádio em qualidade.
Estreei com um programa de música popular brasileira de ótima qualidade, cujo título era “Brasil-72”, às quatro da tarde, cujo prefixo era do Sérgio Mendes Bossa Rio – só Bossa Nova hei! Que delícia!

É importante deixar registrado aqui, do risco que nós todos corríamos com a remoção do transmissor para dentro do estúdio. Estávamos diariamente expostos à ação de rádio freqüência emitida por este. Para que vocês tenham uma idéia, se alguém entrasse no estúdio com uma lâmpada fluorescente na mão, ela, pela ação da rádio freqüência emitida pelo transmissor, ascendia sozinha.
Começamos então a levantar a Rádio, pagando suas dívidas, comprando equipamentos e contratamos a Donábia Vieira para a secretaria e o Wilson da Veiga para a técnica de som.
O Comércio passava a colaborar com o nosso esforço. O Ary criava um programa de reminiscências para a velha guarda bem no final da tarde, e passávamos a transmitir diretamente as missas e novenas. O padre estava todo feliz.

O prefeito continuava a fazer coisas que de certa forma desagradava à gente, e uma grande parte da população também não estava gostando. Nós, pelo lado político, queríamos ser os porta-vozes dessa fatia de insatisfação. Todavia, a Rádio carecia de um programa jornalístico local forte, para se afirmar definitivamente no seio da população. Queríamos audiência desde manhã à noite, quando então me ocorrera tomar a dianteira e desenvolver um projeto de programa com esse perfil e apresentar ao gerente geral. Foi incontinentemente aproado por ele e pelos demais. O programa chamar-se-ia: O Grande Jornal Falado da RA. Começava exatamente às 12 horas, com uma hora de duração.

Simultaneamente, corria à solta o regime militar. Ernesto Geisel, o 4º governo militar, assumia a presidência e endurecia – mais, para satisfazer a linha dura do sistema que exigia mais inflexibilidade, diante da reação que a sociedade mais organizada já começava a esboçar. Do outro lado político da ditadura, eu já me preocupava em preparar o MDB para lançar, se possível, nas próximas eleições um candidato próprio a Prefeitura.

Dificilmente conseguíamos muitas filiações. Os pseudo-eruditos antoninenses tinham medo de se juntar a nós, com receios de sofrer represarias. Muita gente fugia de mim com medo que eu o abordasse a pedir que se filiasse ao MDB – parecia que eu era portador de uma doença contagiosa muito grave, hehehe – eram todos uns cagões medrosos, isso sim! Só os mais idosos, os aposentados, os comunistas e alguns outros que não tinham nada a perder é que se juntavam ao partido. Alguns comunistas com a extinção do partidão pelo regime militar, ao invés de agirem na clandestinidade, se filiavam ao MDB. Eu já passava ainda jovem pela primeira experiência de conhecer realmente o meu povo, e confesso que me decepcionava com isso. (Em meu livro, narro com todas as tintas esse episódio sem ressentimentos, naturalmente.)

Eles (o povo) queriam a mudança, mas não se envolviam, não faziam nada por ela - esperavam que nós nos expuséssemos por eles – sempre foi assim até os dias de hoje. E assim, os meus companheiros por esse Brasil afora, iam sendo cassados e caçados, baleados, torturados, mortos, exilados, desaparecidos. É isso aí, a verdade tem que ser escrita – já se faz necessário começar a contá-la.

Voltando a época de 72/73, eis que começo o meu programa na Rádio Antoninense, com informações jornalísticas, culturais e políticas. No princípio era eu só a redigir e apresentar o programa. Lembro-me nitidamente que dez minutos antes da apresentação, eu já estava lá no alto da Colina, na frente da Igreja Matriz, passando a limpo, relendo, treinando na leitura dos textos.

Sempre estava por lá com o olhar de contemplação cravados à baia, como se ela exercesse nele uma influência transcendental, um garoto de mais ou menos 14 anos, por aí. Parecia-me um garoto puro. Sim, e o era mesmo; cheio de sonhos, que se aproximava sempre a me ver e começava a conversar – a expor os seus projetos. Tanto que eu gostava de ouvi-lo, que passava até a dar asas a sua imaginação – seus sonhos e devaneios de um dia, poder construir o seu próprio barco azul, e sair por aí navegando pela baia, aportando cada dia em uma ilha, e a sentir toda a força da energia emanada por elas. Às vezes eu o convidava a entrar no estúdio comigo para assistir o programa. Ele assentia prazerosamente. Ficava lá sentadinho ao meu lado, quieto, contemplativo. Acho até que gostava de mim. Esse garoto atendia se não me engano pelo nome de Heráclito.

Deixe-me ver... Era isso mesmo! A pureza não emanava só dele – da gente também. Mesmo com todos esses anos que se passaram. Continuaria até os dias de hoje com os sonhos, os ideais inalterados! E por falar nisso, onde anda esse garoto o qual conheci lá no alto da Colina e que nunca mais o vi? Será que continuou assim também?
Com a audiência aumentando a cada dia, fazia-se necessários mais locutores me ajudando. Foi então que tive a idéia de trazer para o programa a bela Marília Rio Apa. Ah! Além de sua beleza, trazia consigo um perfume inebriador a espargir nos estúdios,. Se comunicava muitíssimo bem, e dava outro charme ao programa.

Não obstante, trouxera também a não menos bela Iara Sarmento – foi um show! Mas, contudo, sentia ainda a carência de redatores, pois eu* sozinho não tinha mais condições de escreve, tal era o grande número de notícias e informações que nos chegava a todo instante vindo dos ouvintes.

Pedi ao dentista Dodô Picanço que me ajudasse escrevendo de vez em quando alguma coisa, o que prontamente concordou. Alceu Bichaço passou a escrever também. Nessas alturas eis que de repente entram de no programa o Celso Meira e Alfredinho Jacob! Aí minha gente, começamos a arrebentar, e assim o programa dentro de poucas semanas tornar-se-ia o mais ouvido. Sim, às 12hs00, Antonina parava para ouvi-lo! (... até hoje ainda acho que tanto o Celso Meira, quanto o Jacozinho, entrá-lo-iam nele, atraídos mais pela presença das duas – de qualquer forma, quem ganhou com isso foi os ouvintes).

Nerval Pedro é escritor e comentariasta*

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