Revolta da Chibata é símbolo de resistência à repressão.
“Há muito tempo nas águas da Guanabara, o Dragão do Mar reapareceu; na figura de um bravo feiticeiro a quem a História não esqueceu...” Com sua bela poesia e fina musicalidade João Bosco e Aldir Blanc conseguiam, em plena ditadura militar, driblar a censura e, mesmo com as ine-vitáveis alterações na letra do samba, fazer o registro de uma das mais importantes lutas de nosso povo no século 20: o movi-mento denominado Revolta da Chibata.
George Câmara
Com a música O mestre-sala dos mares, composta nos anos de 1970, imortalizavam a data de 22 de novembro de 1910 e a resistência daqueles bravos marinheiros que reagiam aos brutais castigos físicos, à alimentação de péssima qualidade, aos maus tratos e às degradantes condições de vida e de trabalho a que estavam submetidos pela Marinha do Brasil.
Segundo a professora Maria Landulpho Alves Lopes, no início do século passado a corporação contava em seus quadros com 10% de brancos, 10% de caboclos, 30% de mulatos e 50% de negros. Em contraposição ao baixo escalão, o oficialato era composto pelos filhos de senhores do café e descendentes de tradicionais famílias da aristocracia brasileira. Tais jovens da elite eram convidados a integrar as forças navais não para exercer a função de praça, mas já como oficiais.
O tratamento dado aos tripulantes dos navios era cruel e indigno. O espírito sinistro das leis da Companhia Correcional, que regulamentavam a disciplina na Marinha, ficava patente logo em seus artigos iniciais. Segundo o jornalista Edmar Morel, no livro A Revolta da Chibata, o artigo 1º dizia: “A Companhia Correcional tem por objetivo submeter a um regime de disciplina especial os praças que forem de má conduta habitual e punir faltas em casos que não exijam conselho de guerra”.
O uso da chibata havia sido extinto com o advento da República, mas foi reinstituído logo em 1890, pela Marinha. O artigo 8º estabelecia: “Pelas faltas que cometerem, serão punidos do seguinte modo: a) faltas leves: prisão e ferro na solitária, a pão e água, por três dias; b) faltas leves repetidas: idem, idem, por seis dias; c) faltas graves: 25 chibatadas”.
Tal era a ferocidade da repressão às faltas cometidas pelos marujos que os navios Bahia, Tamoio e Timbira ficaram conhecidos como a “Divisão da Morte”. Além dessas embarcações, nos navios São Paulo, Minas Gerais e Deodoro o tratamento não era diferente. Diante de tais circunstâncias, o clima de insatisfação e de revolta era generalizado e os marinheiros passaram a preparar sua reação.
Dessa forma os líderes de quatro navios se organizaram num grupo coeso, o chamado Comando Geral, encarregado de falar por todos: Francisco Dias Martins e Ricardo Freitas, do Bahia; André Avelino, do Deodoro; Gregório do Nascimento, do São Paulo; e João Cândido, do navio Minas Gerais. Estabeleceram ainda três pontos de reunião em terra, na cidade do Rio de Janeiro: um sobradinho na Rua Tobias Barreto, um local no bairro da Saúde e um terceiro na Rua dos Inválidos.
A revolta começava, assim, a se organizar. O Comando Geral chegou a decidir por mais de uma vez a data do levante, sendo adiado por motivos de natureza operacional, até que se fixou a provável data para 24 ou 25 de novembro. Mas a ocorrência inesperada que se deu no dia 15 precipitaria os acontecimentos.
Um desentendimento a bordo do navio Minas Gerais entre o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes, o “Baiano”, e o cabo Valdemar Rodrigues de Sousa, que o impedia de embarcar duas garrafas de cachaça, terminou em briga, onde o praça feriu o cabo com uma navalha. O comandante Batista das Neves ordenou um castigo dez vezes superior ao máximo estipulado pelo artigo 8º da legislação: 250 chibatadas.
Esse foi o estopim, a ponto de desencadear a rebelião logo para o dia 22. O desfecho da Revolta da Chibata, apesar da repressão que se abateu sobre os rebeldes, foi a extinção dos degradantes castigos físicos na Marinha do Brasil.
George Câmara é petroleiro, advogado e vereador em Natal pelo PCdoB.
http://limpinhocheiroso.blogspot.com/
(Colaboração via e.mail: Fortunato Machado)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
COMENTÁRIOS SOMENTE COM CONTAS NO GOOGLE