terça-feira, março 29

MAIS ECOS DO ALÉM


Por: Jeff Picanço

Quando voltei de Antonina na semana passada, fui deixado direto no aeroporto Afonso Pena onde iria fazer meu vôo para Campinas. Ainda com as roupas sujas de barro dos seis dias de campo, fui ao banheiro pelo menos lavar o rosto e as mãos. Quando estou secando as mãos naqueles secadores elétricos que a gente nunca sabe direito como funciona, e que sempre nos deixam com cara de bobo, vi uma figura conhecida me olhando pelo espelho. Meu querido Pai Zinho de Obatalá. Pálido e assustado, Pai Zinho me contou que vinha do Japão, onde fora testemunha do horripilante terremoto da semana passada. Perguntei como tinha sido a experiência: “Horrível, Zifio, tudo tremendo, o zinco do teto se desprendendo, gente correndo...demorei três dias pra conseguir pegar meu vôo de volta”. Eu ia perguntar se ele sabia da tragédia de Antonina. Ia. Ele pegou na minha mão e me disse: “Fio, tem um senhor querendo falar contigo. De Antonina”.

Ao meu lado estava um senhor bem velhinho, de rosto bem enrugadinho e barbas brancas, com uma veste clerical. Era um padre. “Meu filho”, disse o padre com um fiapinho de voz, “o Tonico, lá de Paranaguá, estes dias me lembrou – eu ando muito esquecido! Que em 1796 aconteceu outra chuva que nem esta de 11 de março. Foi um Deus nos acuda. A nossa baía de Guarapirocaba ficou vermelha de lama. Muita gente morreu em Morretes e na nossa Freguesia do Pilar. Uma coisa nunca antes vista!”.

Nesse instante, um executivo falando no celular e já com as mãos na braguilha entrou no banheiro. Ao ver o estranho trio ali formado, abriu uns olhos de espanto, ficou sem graça e, do mesmo jeito que entrou, saiu porta afora. “se nós conseguimos reconstruir a Vila Antonina naquela época, com todos os problemas, vocês também podem”, me disse o padre segurando nos meus braços. “Desde os tempos de meu velho pai, o capitão-mor, que nós lutamos por esta terra. Fundamos a cidade e vocês podem refunda-la”, me disse fitando-me com seus olhinhos pequenos e vivos.

Aí que eu percebi: aquele era o padre Valle Porto, filho do velho capitão Valle Porto. O padre havia sido um dos lideres de nossa emancipação de Paranaguá, segundo tinha lido no Ermelino. E o Tonico de Paranaguá não poderia ser outro senão Antonio Vieira dos Santos, o memorialista. Olhei fixamente no padre, tentando ver suas feições. O velhinho apertou meus braços, até quase doer. Nunca esperei tanta força de um velhinho como aquele. Ele me disse, com vigor: “não esmoreçam, não percam a chance de reconstruir a cidade, a cidade melhor do que era”. Padre Valle porto continuou: “e não se esqueçam de ser preventivos, de esperar pelas tragédias para evitá-las. Mais que objeto da Ira de Deus, estas são tragédias anunciadas pela incúria dos homens!”.

Contei então ao padre de tudo que tinha sido feito, do trabalho incansável da Defesa Civil, dos bombeiros, dos funcionários da prefeitura, do SAMAE, e dos muitos voluntários. Do drama das pessoas que perderam suas casas, seus pertences, e, algumas, até seus entes queridos. Falei também da resposta pronta da Defesa Civil, que havia evitado uma tragédia maior. Padre Valle Porto fez uma cara de aliviado e ficou menos angustiado. Falei pra ele que sim, a sociedade estava se mobilizando para esta reconstrução. Que estavam atrás de verbas e de idéias. A vila que eles fundaram na Capela seria refundada outra vez no século XXI. Ele ficou feliz. “Assim, fico aliviado. Vou contar a papai, ele anda muito preocupado com isso”.

Antes de desaparecer, padre Valle Porto me disse, com alegria: “diga a todos que estamos felizes com a chegada, entre nós aqui em cima, de Seu Pedrinho. São Pedro disse que ele já tem cadeira cativa aqui nas bilheterias do céu. Agora vou indo, que a sessão do cine Ópera vai começar”, disse padre Valle porto com um sorriso.

O auto-falante do aeroporto já estava chamando por mim: “Última Chamada!”. Dei um abraço em Pai Zinho e corri pra pegar o avião. No caminho, vendo as nuvens, entre angustiado e feliz, pensava que padre Valle Porto tinha razão: a nossa Deitada-a-beira-do-mar vai se reerguer, agora mais forte. Depende de nós, bagrinhos.

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