sábado, maio 5

DE VOLTA PARA O FUTURO


Por: Jeff Picanço

Estamos no ano de 2062. Com o aquecimento global, o nível dos oceanos subiu três metros em todo o planeta. Com isso, amplos trechos da cidade ficaram submersos. Sobrou a colina da matriz, transformada de novo em ilhazinha batida pelas ondas, e o morro do Bom Brinquedo, que virou ilha do Bom Brinquedo. Os bairros ficam isolados, as pessoas não têm como se mover, não há barcos pra todos. O caos se instala. Não há alternativa, pensam os habitantes, a cidade vai ter que se mudar. Pra onde?
Existe um lugar, apontam os técnicos do governo do estado, é a região de São Joãozinho Feliz. Lá deve se localizar a Nova Antonina, distante da velha Antonina tão cheia de pecados e agora tragada pelas aguas do aquecimento global, como foi previsto pelos profetas do inicio do século XXI. É uma nova oportunidade de zerar tudo e começar de novo, sem os erros do passado.

 Ótimo, diz a prefeita da época, vamos desapropriar essa área e vamos construir a nova cidade. Todos ficam felizes com sua determinação. O Governador vai até lá de helicóptero, abraça e beija as criancinhas e diz que vai mandar dinheiro. O Ministro também prometeu liberar as burras da administração federal pra salvar a cidade submersa.

Mas, há empecilhos: alguns proprietários querem se livrar logo de suas terras, outros elevam o preço até as alturas. O dinheiro não chega, não chega, e, quando chega, é um terço do dinheiro inicialmente previsto. Há que se fazer licitações para construção das ruas e das casas. As licitações são lentas, pois desde o inicio do século pioraram muito as leis de licitação para evitar a corrupção politica. Somente empresas marcianas de ilibada reputação se candidatam.

Onde vão ser as casas? Quem vai ter acesso a elas?  Nesse momento, a elite da cidade, que ninguém achava que existia, toma a frente e requer os melhores lugares. Depois, a classe média e, por fim, o povão ocupa o que sobrou, ou seja, alto de morro, beira de rio, locais de mangue. O terreno todo é ocupado, alguns proprietários são indenizados, de preferencia os amigos da prefeita ou do deputado amigo da prefeita. Os outros que se virem. A oposição reclama, os blogs reclamam, mas a caravana passa. A nova Antonina inicia as obras de sua refundação.

Quando os operários executam a primeira sondagem, um cheiro ruim invade a área. Mulheres desmaiam, crianças choram, e um cheiro de ovo podre toma conta do ar. Um velhinho bem velhinho se lembra de que era ali, naquele lugar, que no século XX e começo do XXI que os capelistas jogavam seu lixo. O terreno mole começa a afundar, engolindo a super-escavadeira recém-comprada pela prefeitura, tragada pelo solo colapsível do lixão, ops! Aterro Sanitário.

Em meio ao caos que se forma, alguém pergunta pra prefeita o que fazer. Atarantada, como todos por ali, a alcaidessa olha em redor e grita: “vamos pra Morretes! Eu já moro lá e é pra lá que nós vamos!” A multidão começa a pegar suas tralhas e uma longa peregrinação começa pela estrada do Sapitanduva em direção à terra de Rocha Pombo. Os anônimos dos blogs não vão ter mais do que reclamar, pois alcançamos finalmente Morretes, a perfeição na Terra. Lá não jorra leite e mel, mas é mais limpinha, organizada e tem emprego nos restaurantes. Que não haja medo do futuro nem saudade do passado: ao virar a última curva, onde ainda se avistam as ruínas de uma antiga cidade deitada embaixo do mar, que ninguém olhe para trás, por via das dúvidas.

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