quarta-feira, junho 11

JOAQUIM ALCOBAS... OU SIMPLESMENTE "JOCA"

(Fonte: www.cartunistasolda.blogspot.com)
Colaboração: Alberto Viana

Não estou gabaritado para historiar a gastronomia do litoral paranaense desde os tempos em que o naturalista francês Saint-Hilaire comia pirão com garfo e faca numa tapera de Guaratuba. Sei apenas que vamos sentir saudades do Joca, o cozinheiro de Antonina.

Joaquim Carlos Alcobas faleceu no último domingo. Paulistano, Joca veio em 1975 visitar uma irmã em Antonina e gostou do que viu. Cerrou as portas de aço de sua fábrica de roupas na Avenida Paulista, acomodou algumas receitas na bagagem e veio abrir as portas de madeira de um restaurante que fez evoluir o cardápio do litoral paranaense.Incrustada num cenário de paredes centenárias, aquela casa estreita seria o que temos de mais parecido com um bistrô francês.

Na parede com a textura do tempo, junto às fotografias de fregueses e amigos, não foge dos olhos uma crônica emoldurada do publicitário Elói Zanetti, que descreveu melhor do que ninguém aquela generosa caçarola.“Estou no restaurante do Joaquim Carlos Alcobas, o Joca, ou melhor, na Caçarola do Joca, em Antonina. Olho para os lados e vejo fotos, quadros, pinturas, bonecas, estátuas de Buda, de galos portugueses, peixes em cerâmicas, gaiolas etc. Tudo espalhado, pendurado pelas paredes ou em cima dos móveis na mais arrumada desarrumação.

Percebo que há ordem e harmonia neste caos, nesta bagunça criada através dos tempos por seu proprietário. E isto me dá um prazer estético, gosto do lugar, me sinto bem, me é familiar.”Foi um privilégio ter compartilhado da mesma mesa com o Joca. E tínhamos esse prazer sempre que éramos recebidos pelo próprio, naquela porta escancarada para o trapiche de Antonina. Joca nos indicava o posto mais próximo da cozinha e deixamos para ele indicar ainda o que nos seria servido à mesa. O cardápio era dispensável: Joca sabia do peixe mais fresco, das ostras mais gradas e daquela cachaça escondida na adega para os amigos que tinham a honra de um retrato na parede.

Não que fôssemos clientes preferenciais. Para melhor explicar, a crônica emoldurada de Elói Zanetti diz tudo:“O Joca é um personagem quixotesco, alto, magro, com um cavanhaque ao estilo. Simpático por natureza, já está sendo citado por professores de administração como “aquele que sabe fazer o bom marketing de relacionamento”. E, tal qual o Homem de La Mancha, é um resistente na sua eterna busca. Um catador de histórias.”Quando se diz que a Caçarola do Joca fez evoluir o cardápio do nosso litoral, não é nenhum exagero “in memoriam”.

Talvez naquele ano em que Joaquim Carlos Alcobas partiu de São Paulo, ao lado do artista plástico Rones Dunke, passei uma semana em Antonina pintando paisagens, óleo sobre tela. Com pouco dinheiro, muito pouco, nos hospedamos numa modesta pensão e, com uma carta de recomendação do escritor Valêncio Xavier, fazíamos nossas refeições no restaurante da Tia Rosinha, que hoje já não existe mais. Valêncio era muito querido de Tia Rosinha. Ela nos servia o almoço e jantar a preço de “artistas necessitados”, o prato típico da época: salada, arroz, feijão, camarão ensopado e filé de pescado à milanesa.

Entre uma refeição e outra, eu pintava duas toscas paisagens por dia. Rones Dunke uma, o suficiente para encantar os capelenses com o seu admirável talento. Certo dia, passamos a nos deliciar também com os bolinhos de camarão da Tia Rosinha, porque as nossas finanças melhoraram de um dia para o outro.“O senhor é pintor”, me perguntou um pescador. “Sim”, eu respondi. “Então será que o senhor poderia pintar uma canoa pra mim?”.

Quando me pus a esboçar uma canoa na tela, o pescador me fez parar: “O senhor não entendeu: eu queria que o senhor pintasse a minha própria canoa, aquela que está amarrada ali no trapiche”. Combinamos o preço e eu acabei pintando não uma, duas canoas. Só não lembro mais das cores das canoas. Lembro que, depois das receitas da (Caçarola do Joca, o restaurante da Tia Rosinha ganhou novas cores e ficou melhor ainda.
Dante Mendonça (11/6/08) O Estado do Paraná.

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