sábado, agosto 8

OUTRO DIA DOS PAIS...




Por: Jeff Picanço

Sexta feira meio esquisita, mês de cachorro louco. O tempo em Curitiba é absolutamente imprevisível, desafiando as melhores mães a adivinhar qual a roupa que os filhos devem usar ao sair de casa. Estou meio melancólico, apesar de ser sexta feira, véspera do dia dos pais. Vou descer a Antonina, e carrego na mala um vazio, que é a falta do meu pai: é o segundo ano do dia dos pais sem seu Dodô. O cartaz provocativo e maroto continua lá, na varanda de sua casa, mas ele não está lá.

Li o texto de Nerval Pedro publicado no blog do Reginaldo, Crônicas da Cidade, número 74. No texto sempre vibrante, várias lembranças de minha infância. Lembrança de acompanhar as falas de Nerval no rádio, meu pai sempre nervoso do lado de cá, vibrando. Havia uma enorme repercussão, pessoas comentavam, a cidade se agitava. E isso, eu me lembro bem, eles eram de siglas contrárias. Nerval era MDB, meu pai ARENA. Isso não era pouco, no tempo da Ditadura Militar. Vi, de longe, algumas discussões nas quais Nerval procurava trazer meu pai pro seu lado, sempre em vão.

Era uma época tensa, em que assumir algumas atitudes que hoje são banais exigia uma grande dose de coragem, coragem pessoal. Sabíamos que pessoas podiam desaparecer da noite para o dia, podiam desaparecer pra nunca mais.
Mas essa era uma geração cheia de idéias. Que colocava em sua causa a própria vida. Ou, melhor, fazia da vida a sua causa. Essa foi a essência da vida de meu pai. Por essa causa, ele deu seus melhores dias, seus melhores anos, toda sua força. Em casa, todos queríamos tê-lo integralmente conosco, mas sabíamos ser impossível, ele pegava o fusquinha e lá se ia. Pro Escoteiro, pra reunião, pra chácara, pro fim do mundo. Até o fim, ele foi fiel a sua causa e, principalmente, a si mesmo.

Mas não estava sozinho. Outras pessoas de sua geração e da geração seguinte depois tiveram e tem essa essência. Uma delas é Nerval Pedro. Outra, com quem convivi um pouco mais, meu querido Eduardo Bó. Existem muitas outras, eu sei, mas minha memória é traidora...
Eu não fiquei em Antonina. Talvez meu pai, já calejado de tanto apanhar da vida, me quisesse num rumo diferente. Me mandou embora de Antonina. Fui estudar, fui conhecer o mundo Além da Serra. O mundo que meu pai poderia ter tido e não teve, em função de seu ideal. Hoje, é nele que estou, trabalhando e criando meus filhos. Meu idealismo é um idealismo mais contido, talvez mais pragmático. Mas que, no essencial, é o mesmo dele.
Infelizmente, o mundo não se constrói com idéias, como acreditavam os idealistas do século XX. De ar nada se constrói. É claro que não precisamos ser o contrário, o contrário de tudo. Os meios não justificam os fins, a ética sempre deve prevalecer, e as pessoas devem estar acima de tudo. O Quanto-Pior-Melhor só leva ao pior.

Apesar de tudo, eu sou otimista. Acho que hoje em dia as pessoas são mais bem informadas, ou, no mínimo, tem mais acesso a informação e à cultura. São pessoas mais bem alimentadas, mais sadias. Falta, talvez, um pouco mais de atitude, de querer-fazer. O Setor Público no Brasil precisa de melhores gerentes, de pessoas mais atentas aos desejos da população e aos recursos disponíveis. Juntar a fome com a vontade de comer, literalmente. Não é difícil fazer isso em Antonina. Não é o Paraíso dos que acham tudo cor de rosa, mas também não é o fundo do poço que tantos reclamam.

Obrigado, Nerval, por me relembrar de tantos momentos bons da minha vida. E relembrar de meu pai. Nesta semana de agosto, ele é um retrato na parede, que dói, mas é bom de olhar.

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